As mulheres na advocacia

As mulheres na advocacia

As mulheres na advocacia

O dia internacional da mulher é quase sempre pretexto para dar a conhecer as (ainda) desigualdades existentes na sociedade, seja na vertente profissional ou no contexto familiar.

Apesar de vivermos numa sociedade que aposta na igualdade entre homens e mulheres e incentiva a participação feminina na vida ativa, a verdade é que o papel das mulheres ainda não é desempenhado em total equidade em relação aos homens, em muitos setores. A área jurídica não é exceção, embora o número de mulheres a exercer hoje em dia seja bastante mais elevado que no século anterior.

Um estudo da PORDATA, cuja última atualização data de 06 de novembro de 2020, indica que no ano de 2019 havia 18.365 mulheres licenciadas em direito inscritas na Ordem dos Advogados e “apenas” 14.933 homens.

 

Advogados: total e por sexo. Fontes de Dados: DGPJ/M. Fonte: PORDATA

 

Se pensarmos em termos de magistrados judiciais, o mesmo estudo aponta que, do total de 1.734 juízes nos tribunais de primeira instância e superiores, 1.071 são mulheres. Curiosamente, esta superação numérica só aconteceu no ano de 2007 (846 mulheres e 833 homens) uma vez que, em 1991 a diferença era ainda abismal: 847 homens juízes e apenas 181 mulheres juízes.

Magistrados judiciais: total e por sexo. Fontes de Dados: DGPJ/M. Fonte: PORDATA

 

Estes dados podem levar-nos a crer que afinal, o mundo judicial está bastante preenchido de elementos femininos pelo que o termos desigualdade não faria sentido aplicar-se. Ora, o que aqui está em causa é, efetivamente uma questão de paridade em relação ao equilíbrio entre vida pessoal e profissional, à progressão na carreira, aos rendimentos auferidos e ao acesso a cargos de topo.

Em 2017, entrou em vigor em Portugal, a lei das quotas de género com o objetivo de alcançar um maior equilíbrio de oportunidades entre os géneros.

Contudo, e apesar do crescimento exponencial do número de mulheres na advocacia, é representativo que este crescimento não tenha sido por exemplo, acompanhado por um igual aumento da sua participação nos órgãos de gestão executiva ou disciplinar da Ordem dos Advogados, nomeadamente nos seus cargos de presidência: desde 1927, a Ordem dos Advogados apenas teve duas bastonárias. Em 1990 foi eleita Bastonária, para o Triénio de 1990-1992, a Dra. Maria de Jesus Serra Lopes, a primeira Advogada a ocupar este cargo. Em 29 de Novembro de 2013, foi eleita para o Triénio 2014-2016 a Bastonária Dra. Elina Fraga.

Por toda a Europa, a entrada da mulher na advocacia só aconteceu no final do século XIX / início século XX.

Em Portugal, a Dra. Regina Quintanilha foi a primeira mulher licenciada em Direito e Advogada, bem como a primeira procuradora judicial, primeira notária e primeira conservadora do registo predial.


Dra. Regina Quintanilha

Como Advogada fez a sua estreia no Tribunal da Boa Hora, a 14 de novembro de 1913, depois do Supremo Tribunal de Justiça lhe ter dado autorização para advogar. Não obstante, só em 1918 o Decreto n.º 4676, de 19 de julho, viria a consagrar a abertura plena da Advocacia às mulheres.
Natural de Bragança, Regina da Glória Pinto de Magalhães Quintanilha de Sousa Vasconcelos, ingressou em 1910 na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, “obrigando” o Conselho Universitário a reunir propositadamente para deliberar sobre o ingresso de um aluno do sexo feminino. No dia da sua entrada na Universidade, a 24 de outubro de 1910, com apenas 17 anos, Regina Quintanilha foi recebida por toda a Academia formada em alas com as capas no chão a dar-lhe passagem.
Terminou o curso em três anos e em 1913, com apenas 20 anos, foi convidada para reitora do recém-criado Liceu Feminino de Coimbra. Recusou, por ambicionar uma carreira que o Código Civil Português de 1867 vedava às mulheres, o exercício da advocacia.
Em Portugal, exerceu ainda, mais uma vez sendo a primeira mulher, as funções de Conservadora do Registo Predial e Notarial.

É importante mencionar que nos últimos anos da Monarquia e nos anos da I República não era comum haver senhoras a cursar em Coimbra, mesmo nas classes mais altas, e a exercer uma profissão liberal. Só em 1890 as raparigas são autorizadas a frequentar os liceus públicos e só 16 anos depois é criado o primeiro liceu feminino. Em 1910, a escolaridade obrigatória era dos 7 aos 11 anos. Para as mulheres, estava normalmente destinada uma instrução elementar, não lhes sendo pedido mais do que as funções de mulher e de mãe.

As mentalidades da sociedade portuguesa da altura não estavam preparadas para dar lugar às mulheres no exercício de profissões liberais.

Já no Reino Unido, a primeira mulher a obter uma licenciatura em Direito foi Eliza Orme, que se licenciou no University College London em 1888.

Ela não foi autorizada a exercer como Advogada*. Mas em 1919, com a aprovação do Sex Disqualification (Removal) Act 1919, é que as mulheres puderam entrar na profissão jurídica. Isto tinha sido contestado em 1914 num processo, Bebb v Law Society, no qual o Tribunal de Recurso considerou que as mulheres não se enquadravam na definição legal de "pessoas" e por isso não podiam tornar-se advogadas. A lei de 1919 também permitiu que as mulheres servissem em júris pela primeira vez.

Eliza Orme
Na Alemanha, a atriz, escritora e ativista Anita Augsburg foi a primeira mulher a obter um diploma de Direito na Alemanha (1897) mas que só com a mudança da lei, em 1922, foi autorizada a exercer a advocacia.

O seu empenho nos direitos da mulher levou-a a decidir, após vários anos de trabalho bem-sucedido, estudar para obter um diploma de Direito. Foi para a Universidade de Zurique, Suíça, porque as mulheres na Alemanha ainda não tinham igual acesso às universidades. Ao lado de Rosa Luxemburgo, com quem teve uma relação turbulenta, foi uma das fundadoras da Associação Internacional de Mulheres Estudantes (Internationaler Studentinnenverein). Concluiu os seus estudos com um doutoramento em 1897, o primeiro doutoramento em Direito do Império Alemão. Contudo, não pôde exercer como advogada, uma vez que as mulheres ainda não tinham autorização para o fazer.

Dra. Anita Augsburg e Fraulein Heyman, Vice-presidente da Liga das Mulheres Internat'l, fotografadas no Woman's Party Headqrts. em Wash.
Na Holanda, Elisabeth Carolina "Lizzy" van Dorp destacou-se como advogada, economista, política e feminista.

Van Dorp estudou Direito na Universidade de Leiden, tornando-se a primeira mulher na Holanda a obter um diploma de Direito em 1901, e a ser promovida em 1903. Posteriormente, praticou direito privado, e tornou-se activa em vários movimentos feministas, embora se opusesse às formas mais radicais de feminismo - o seu foco era a instituição do sufrágio feminino.

Elisabeth Carolina van Dorp
Um outro exemplo, desta vez na Suíça, foi Emilie Kempin-Spyri, a primeira mulher na Suíça a licenciar-se em Direito e a ser aceite como professora académica.

No entanto, como mulher, não lhe foi permitido exercer como advogada; por conseguinte, emigrou para Nova Iorque, onde lecionou numa faculdade de direito que estabeleceu para mulheres. Emilie Kempin-Spyri era sobrinha da autora Johanna Spyri, autora suíça de romances, nomeadamente contos infantis, mais conhecida pelo seu livro Heidi.

Emilie Kempin-Spyri

 

Passado um século e apesar da evolução do papel da mulher na advocacia, ainda acontece com demasiada frequência, as mulheres serem preteridas quando procuram aumentar o poder ou a influência. Ou seja, quando querem assumir o papel de líder.

O facto é que a profissão de advogado tem um longo caminho a percorrer antes de proporcionar aos seus membros a igualdade e justiça que tão zelosamente procura para os seus clientes. As provas empíricas demonstram claramente que o preconceito de género ainda existe, e que são  um obstáculo ao sucesso. E este é o momento de transformar a profissão de advogado.

Ao longo da última década, o evento (apenas por convite) Women’s Power Summit on Law and Leadership tem vindo a convidar o "Quem é Quem" das mulheres influentes na profissão jurídica para gerar ideias e liderar a mudança e deixaram várias recomendações sobre o que se pode fazer para cada um ser motor desta mudança:

- Selecionar uma mulher para fazer parte de uma (importante) equipa de clientes;

- Partilhar o crédito de autoria com uma mulher.

- Contratar uma mulher como conselheira externa ou selecionar uma mulher para ser responsável por uma relação com o cliente.

- Divulgar as realizações de uma mulher a um líder dentro e/ou fora da sua organização.

- Encaminhar uma oportunidade de negócio e/ou de trabalho a uma mulher.

- Recomendar uma mulher para ser oradora numa conferência ou evento.

- Envolver-se em tutoria entre pares...

- Etc.

Na verdade, estas recomendações são válidas para todas as mulheres em todas as atividades pelo que, enquanto mulher, seja sobretudo um modelo a seguir (isto é, não use palavras que rebaixem outras mulheres) e seja uma voz pública para a mudança!
*No Reino Unido existem vários termos que corresponde ao nosso ”advogado”: lawyer, solicitor e barrister.
Solicitor e Barrister são dois termos usados para denominar as duas classes de advogado no direito inglês.
O Solicitor é o advogado que orienta e representa clientes nas instâncias inferiores e o Barrister é o advogado que atua nos tribunais superiores (aquele que usa peruca branca e toga). O primeiro contato de um cliente, em regra, é com um Solicitor que aconselha, elabora documentos, participa de negociações, trata de acordos e prepara os casos para julgamento.
Se a ação for a um tribunal superior, o Solicitor (e não o cliente) contata um Barrister e informa todas as informações necessárias. Não será o mesmo profissional que acompanhará do início ao fim o processo.